sexta-feira, 3 de maio de 2013

Você acredita em destino?

 "Tudo aquilo que não enfrentamos em vida, acaba se tornando nosso destino". 
Carl Jung.

Depois dessa citação de Jung, para falar de destino preciso visualizar uma peça de tapeçaria como metáfora da vida: para vocês compreenderem, vou tecer primeiro os deuses olímpicos, depois as Moiras e, por último, o fio de Ariadne. Acreditar ou não em destino não é o que fará a diferença na hora de compreender como sua vida foi, é e será tecida. De fato, a forma como lidamos com essas três instâncias da nossa vida psíquica é o que dará o tom e as linhas gerais de um bonito tapete artesanal ou de uma produção seriada, cinzenta e nada original.

Mary Isabella Grant (1830 - 1854) Knitting a Shawl.

Em termos metafóricos, são os deuses olímpicos que dispõe sobre nossas vidas privadas e a história dos homens, ou seja, a vida na coletividade. Para a psicologia analítica os deuses são padrões arquetípicos e seus mitos contam e recontam as maneiras que encontramos para lidar com as situações de vida, amor e morte ao longo dos milênios. A mitologia é uma sabedoria coletiva que nos rege, é uma fonte de riqueza e, ao mesmo tempo, de perdição, tal qual a relação que tenhamos com suas imagens. Contactar os deuses mais importantes para nossa personalidade, aqueles que se assemelham ou aqueles a quem temos aversão, nos ajudará a integrar diferentes aspectos de nós mesmos e produzir um "tapete" mais rico.

Há algo, porém, que não pode ser esquecido: na mitologia, quem era responsável por tecer o destino dos homens e, em última instância, quem tecia o destino dos deuses? As Moiras, também chamadas de Parcas em Roma. Elas são três irmãs que determinavam o destino dos deuses e dos homens, utilizando a roda da fortuna como tear. Cloto, era responsável pelo fio da vida, nascimentos, partos; Láquesis, "sorteava", puxava e enrolava o fio da vida, referindo-se ao quinhão de cada um; Átropos era quem cortava o fio, referindo-se a morte. Nem a Zeus era permitido transgredir essa disposição sem alterar a ordem cósmica. Isso nos fala que no amor, na vida e na morte, há "algo" que vem de um lugar além da nossa arcada. São nossas heranças coletivas e familiares mais arcaicas.

Mas então, tendo encontrado isso na vida, qual o nosso papel nessa tecitura? Aí entra o fio de Ariadne. Para quem não conhece o mito de Ariadne, aí vai um trecho:

Teseu, um jovem herói ateniense, sabendo que a sua cidade deveria pagar a Creta um tributo anual, sete rapazes e sete moças, para serem entregues ao insaciável Minotauro que se alimentava de carne humana, solicitou ser incluído entre eles. Em Creta, encontrando-se com Ariadne, a filha do rei Minos, recebeu dela um novelo que deveria desenrolar ao entrar no labirinto, onde o Minotauro vivia encerrado, para encontrar a saída. Teseu adentrou o labirinto, matou o Minotauro e, com a ajuda do fio que desenrolara, encontrou o caminho de volta.

Os labirintos são caminhos e encruzilhadas pelos quais nossa vida se delinea, difíceis de compreender, muitas vezes vistos como sem saída, aprisionadores, são construídos de forma intrincada de forma que não se percebe a ideia do todo. No entanto, é possível encontrar o seu segredo, é possível que seus cantos sejam reconhecidos e o todo seja integrado a consciência. Para isso, é importante que possamos desenrolar o fio para nos conduzir por esse percurso, mapeando nossas oportunidades, disponibilidades e limitações. É uma jornada não linear, que abre possibilidade para novas leituras da vida, soluções que não enxergamos a priori, mas que podem transformar nosso caminho e desvendar o segredo do nosso "destino": matar o monstro e encontrar a saída do labirinto. Fazer o caminho com o fio de Ariadne em mãos é saber que sempre será possível passar pelo mesmo "lugar", mas de maneira diferente, com uma compreensão e clareza da nossa situação ali. É criar novas histórias ou abordar um mesmo tema sob outro enfoque.

Carl G. Jung, no seu Livro Vermelho, escreveu:

Ai daqueles que vivem por meio de exemplos! A vida não está com eles. Se você vive de acordo com um exemplo, assim, você vive a vida desse exemplo, mas quem deve viver sua própria vida, se não você mesmo? Então viva a si mesmo. As placas de direção caíram, trilhas sem brilho estão diante de nós. Não seja ganancioso para devorar os frutos dos campos estrangeiros.

Encontre seu próprio caminho, experimente os novos salões que se abrem nesse labirinto que é a sua vida, lembrando que para não se perder é importante compreender o todo, segurar o fio e encontrar a saída. Não tenha medo do escuro e da encruzilhada, pois uma hora a roda da fortuna estará pra cima e outra hora pra baixo, e assim por diante, até o final dos tempos. Não há nada tão ruim que não leve a uma boa fortuna, nem nada tão bom que não precise de uma transformação através da sombra. O destino é, no final das contas, o que você não confrontar e integrar em sua própria consciência.



segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

A interpretação dos sonhos para Jung

Na última postagem do blog, mencionei a interpretação do sonho como uma técnica que auxilia psicoterapeuta e paciente a chegarem a uma compreensão mais profunda de questões remanescentes no inconsciente e que afetam a vida cotidiana do indivíduo. Apesar de já haver realizado algum comentário sobre esse tema aqui, no post Trabalho com os Sonhos, acredito que uma discussão mais direta e específica possa ser eficiente para os que têm interesse em conhecer mais dos seus sonhos!

Importante ressaltar o pressuposto do próprio Jung que diz que o sonho para ser analisado não necessariamente precisa estar ligado às informações pessoais da vida do sonhador. Ainda que tenhamos um sonho de "alguém" que não saibamos nem mesmo quem é, ele não deixa de fornecer dados legítimos acerca da realidade psíquica do sonhador. O sonho em si é símbolo rico em conteúdo próprio e universal, apontando início, meio e fim da situação psíquica atual a partir de seu próprio enredo enquanto história, assim como os mitos e contos de fada.


"Os sentidos do homem limitam a percepção que este tem do mundo à sua volta. Utilizando instrumentos científicos pode, em parte, compensar a deficiência dos sentidos. (...) Não importa que instrumentos empregue; em um determinado momento há de chegar a um limite de evidências e de convicções que o conhecimento consciente não pode transpor (Carl Gustav Jung)".


Para isso, para transpor esse limite da consciência existe o símbolo que o sonho nos apresenta. O sonho nos fala através de uma linguagem pouco comum, mas bastante objetiva e direta! Como exemplo, veja a imagem a seguir...


"Boy, Oh Boy"
Julie Heffernans, 2010.
Assim como o sonho, a arte também se expressa simbólicamente. Quando se olha para essa imagem, por exemplo, pensando nos significados coletivos dos símbolos apresentados, o que ela nos transmite? A imagem nos fala através de símbolos do feminino (a árvore, a vegetação, frutos e uma esfera orgânica) sendo manuseados indiscriminadamente por um garoto, os galhos estão podados, diminuindo o crescimento e desenvolvimento da árvore e vários pássaros (símbolo do masculino) se espalham em suas ramas. Viram? Mesmo sem precisar conhecer fatos da vida de quem pintou essa gravura ou sonhou essa cena durante a noite, já sabemos que a mensagem quer dizer que algo está sendo cortado, interrompido em seu desenvolvimento pleno como os galhos dessa árvore, vemos que há uma intrusão do masculino numa área que ele não sabe manusear muito bem. Como essa, há várias outras possibilidades de ampliação do símbolo, mas nada que se afaste do núcleo principal que já começamos a explorar. 

Assim funciona a análise de sonhos de acordo com a abordagem junguiana. A partir dela, o psicoterapeuta vai questionar o propósito dessa mensagem mandada pelo inconsciente e os sentimentos do sonhador em relação a isso, a partir dessa análise pode-se diagnosticar e prognosticar a psique a nossa frente e o curso principal do processo terapêutico.


segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Quatro momentos da psicoterapia: segunda fase, o esclarecimento.

Continuando com a discussão sobre as fases da psicoterapia junguiana, chegamos ao segundo momento do processo, ao qual Jung chamou de "esclarecimento". Depois de passada a fase da "confissão", que é a fase da catarse - um desabafo sincero, não só mental, mas também emocional- sobre tudo que levou aquele momento de pedir ajuda, psicoterapeuta e paciente sentem chegado o momento de compreender mais profundamente o que levou a situação até ali e para onde aqueles sintomas estão querendo apontar, quais seus objetivos.

Note que para Carl G. Jung, a psicoterapia como um todo é um processo transdisciplinar: assim como a história da humanidade e da teoria clínica da psicologia, nosso psiquismo também é marcado por momentos onde primam o comportamental, o analítico, o relacional e, por último, o intuitivo. Assim sendo, na fase de "esclarecimento" o que toma a cena analítica é o processo de transferência, na tentativa de deslocar o paciente de suas verdades conscientes, apontando para o que está em suas bases inconscientes.

Como qualquer um pode ver, não é a toa que esse segundo momento é associado ao marco teórico Psicanalítico, de origem freudiana e pós-freudiana. A transferência é a base do processo. Para quem não sabe o que significa transferência, aí vai uma luz sobre o conceito:

"Menino camponês encostado num peitoril" (Tradução Livre)
A Peasant Boy leaning on a Sill
(Menino Camponês encostado em um peitoril)
Bartolomé Estebán Murillo (1675)

Na transferência, o paciente revive a relação familiar infantil que teve com os pais na figura do terapeuta, pode até mesmo cair numa situação de dependência. Assim sendo, a função do psicoterapeuta nesse caso é atualizar essa relação, ou seja, levar até a consciência do paciente os conteúdos inconscientes que ele está trazendo e que podem estar na base de muitas das queixas apresentadas. Mediante diferentes técnicas, como a interpretação dos sonhos, o psicoterapeuta junguiano ajuda o paciente a "esclarecer" os papéis que ele está revivendo ali, assim como o porquê ele se atrai para aquelas situações negativas.