sábado, 8 de dezembro de 2012

O inconsciente


Pode ser que esse post pareça um pouco mais científico que os outros. Pode ser, também, que não tenham curiosidade ou interesse em saber como Jung define o inconsciente.  No entanto, asseguro a todos que compreender esse conceito ajuda e muito a entender a nossa necessidade de mitos, ritos, contos e, em última instância, da religião. 

Assim, dando continuidade as premissas junguianas sobre a Psique, detalho agora um pouco de como seria visto o "inconsciente" pelo analista junguiano. A curiosidade sobre esse conceito, já começa quando sabemos que foi um dos principais motivos do rompimento entre Jung e Freud -  este jamais admitiu que o inconsciente pudesse ser algo além de um depósito de lembranças reprimidas, enquanto Jung afirmava que o inconsciente é muito mais.

“Quando dizemos ‘inconsciente’ o que queremos sugerir é uma idéia a respeito de alguma coisa, mas o que conseguimos é apenas exprimir nossa ignorância a respeito de sua natureza... Há apenas provas indiretas sobre a existência de uma esfera mental de ordem sublime. Temos muito pouca justificação científica que prove em última instância sua existência. A partir dos produtos desse ‘eu’ inconsciente podemos tirar determinadas conclusões quanto a sua possível existência. Entretanto, todo cuidado será pouco para não cairmos num antropomorfismo exagerado, pois os fatos, em sua realidade, podem ser bastante diferentes da imagem que a nossa consciência forma deles (JUNG, 1999)”.

Burning Heaven - Julie Heffernan, 2011.


Nesta afirmação Jung denota o caráter realista de sua idéia a respeito do inconsciente como uma existência universal anterior a tudo. Sabe-se que, para o realismo, o universal transcende o particular, ou seja, não depende da subjetividade humana para a sua existência. Isso não anula o que falei no post Psique no Templo, e sim o complementa. Jung considera o inconsciente como uma instância real e primeira, que, segundo alega, jamais será plenamente apreendida pela consciência - visto que esta última também deriva do inconsciente. 

Segundo Jung, a existência do inconsciente não se comprova pela observação direta, a medição, etc., métodos estes atrelados aos sentidos, em si limitados. Os sentidos permitem a formação de idéias que podem ser diferentes dos fatos reais. O inconsciente para Jung é a realidade a priori; são, esses sim, os fatos reais. 

O céu está dentro de você, diria Jung e também o diria a religião. A astrologia nos dá um exemplo dessa afirmação ao explicar como os planetas, casas, signos e aspectos do céu no momento do seu nascimento indicarão a maneira habitual ou inconsciente de a pessoa reagir às coisas, podendo até mesmo mostrar os modos prováveis de nossa experiência. O que está dentro de você é o que vai se manifestar do lado de fora. A experiência é unitiva e pensar sobre ela, apenas fragmenta. Para os mais ortodoxos, o próprio Cristo disse que o "reino dos céus está dentro de nós". 

Utilizei a obra de arte de Julie Heffernan "Burning Heaven" para ilustrar esse post, pois o Céu em Chamas, em tradução livre, fala da tentativa de  humanizar o céu. Vejam o lustre - produção humana - pendendo do teto, o ponto mais alto, de uma pintura celestial, sublime. O lustre é como a teoria tentando iluminar e traduzir o inconsciente. Não é a toa que Jung diz que a cura só virá com uma experiência religiosa, no sentido de re-ligar o indivíduo a sua realidade primeira, jamais com a técnica interpretativa. 


Psique no templo.


     “Se, na qualidade de psicoterapeuta, eu me sentir como autoridade diante do paciente, e, como médico, tiver a pretensão de saber algo sobre a sua individualidade e fazer afirmações válidas a seu respeito, estarei demonstrando falta de espírito crítico, pois não estarei reconhecendo que não tenho condições de julgar a totalidade da personalidade que está lá a minha frente (JUNG, 2004)”.

'Psyche in the Temple of Love' by Edward John Poynter, 1882. 

No momento em que Jung afirma que o psicoterapeuta não tem condições de julgar a totalidade da personalidade de seu paciente, está considerando o caráter único do indivíduo, pois essa ausência de condições reflete a ausência de "regra geral" quando falamos sobre o indivíduo. Costumo dizer aos meus pacientes que não há receita de bolo, ou seja, a idiossincrasia do ser humano é presença certa em qualquer afirmação que possa ser feita a respeito dele. Porém, ao mesmo tempo, não devemos invalidar a existência de alguma generalidade. 

Em um momento posterior do mesmo parágrafo, Jung completa o raciocínio com a seguinte afirmação: “Posso fazer declarações legítimas apenas a respeito do ser humano genérico, ou pelo menos relativamente genérico. Mas como tudo que vive só é encontrado na forma individual, e visto que só posso afirmar sobre a individualidade de outrem, o que encontro em minha própria individualidade, corro o risco, ou de violentar, ou de sucumbir por minha vez ao seu poder de persuasão”.

Por esse motivo, escolhi a obra de arte acima para ilustrar esse texto, "Psyche in the Temple of Love" significa "Psique no Templo do Amor" em tradução livre. E a que templo eu estaria me referindo senão ao espaço sagrado da psicoterapia, onde os segredos e dores que afligem o ser humano são compartilhados e re-vividos? É importantíssima a consciência de que não há teoria suficiente na humanidade para levar um processo psicoterápico ao sucesso, se não houver a experiência vivida pelo analista (quanto mais, melhor) para balisar seu olhar sobre o outro! A relação é dialógica e depende, na mesma medida, daquele que revela a sua psique e daquele que consegue vivencia-la em si mesmo.