Começo com as perguntas de Judith Butler: "Que corpos chegam a importar? E por quê?". Perguntas que chegam aos nossos ouvidos depois de refletir sobre a "materialidade do corpo". Os corpos que importam para a nossa sociedade, sabemos, são os corpos submissos a uma determinada ordem que vem das telas de cinema, televisão, anúncios, desejos de corpos construídos desde o nosso nascimento. Nossos corpos, dóceis, acabam por obedecer e perpetuar os sistemas de normas e relações de poder: corpos de mulheres e homens, assim chamados porque é assim desde sempre.
Outro dia, uma amiga comentava que ao assistir a novela (já não sei se das 6h, das 7h, das 8h ou 10h) se deu conta: "As pessoas não são assim na vida real! Todo mundo lá é bonito… E que corpos são esses?! A maioria da população brasileira corresponde a aquilo que é mostrado ali?". Não, óbvio que não. Existe um texto muito bonito, chamado "Antieros" de Tununa Mercado (2006), que cumpre uma função muito importante para aqueles que -insatisfeitos com o corpo, com a função que dão a ele, ou que não se sentem mesmo adequados aos padrões que encontram por aí- se deprimem, maltratam sua autoestima e gastam rios de dinheiro para encontrar uma satisfação que nunca chega! Em seu texto, Mercado reivindica a disruptividade, a não-conformidade de nossos corpos.
Como ser um corpo indócil e encontrar a satisfação pessoal?
Em "Antieros" as palavras de Mercado reescrevem a erótica e corpo femininos a partir de um lugar já bastante colonizado pelos "Outros": o espaço doméstico. É incrível como ela consegue dar uma volta nos chavões machistas sobre a dona-de-casa e fazer desse espaço e desse ato um lugar de protagonismo feminino. Sim, muito bom para a teoria feminista. Mas o que isso significa em termos práticos? Significa que temos um instrumento muito poderoso para subverter essas normas estabelecidas: o nosso corpo! É o aspecto performativo do corpo! Diria Butler que a realidade é criada a partir de atuações/performances sustentadas pela sociedade. Ou seja, enquanto nos submetemos ao que há aí nas telinhas, perdemos a oportunidade de construir nosso próprio espaço e sermos valorizadas pelo corpo que temos.
Logo abaixo, mostro uma propaganda dos "Comprimidos Vikelp" da década de 40, que vi numa rede social (sim, o Facebook é um ótimo instrumento de pesquisa para o blog!):
Nietzche já havia denunciado um caráter artificial quando descreveu a "feminilidade como artifício, simulacro, forma sem fundo". Mas foi a psicanalista Joan Rivière que nos deu a chave de ouro: a feminilidade mascarada. Usar a "máscara" do corpo é um artifício para a nossa efetividade, reduz a ansiedade que é gerada pelo medo de ser punida por haver usurpado um espaço de poder historicamente masculino. Assim ela acaba concordando com o conceito de persona de Jung. Ou seja, no fundo, não existe diferença qual personagem você veste seu corpo, ir vestida como "vadia" ou como "princesa" não destitui você da sua feminilidade verdadeira, mas sim te dá liberdade de atuação. O mesmo serve para os homens, pois esse mecanismo de controle envolve outras nuances quando falamos do gênero masculino, por isso mesmo o corpo masculino será tema do próximo post.
A palavra de ordem é não se submeter a essa ditadura de corpos e se libertar da culpa e da inadequação através da liberdade do próprio corpo!! Seja você mesmo, seja quem você quiser, mas sempre tendo em mente que esse faz-de-conta de corpos perfeitos não é o mundo real. Se quisermos entrar nele, que tenhamos autoestima e autocrítica o suficiente para saber que é uma escolha pessoal e não uma imposição - assim arcamos melhor com as "conseqüências" da escolha e tiramos de letra o olhar do outro!
nao existe isso de feminilidade verdadeira, ok?
ResponderExcluirOi Aroma! Obrigada pelo comentário ;) Você observou que foi exatamente isso o que eu quis dizer ao tranquilizar a leitora sobre o poder político de usar a sua máscara? "No existe tal diferencia. La feminidad, fundamental o superficial, es siempre la misma cosa" (Rivière in Preciado).
ResponderExcluirEssa é a beleza da teoria feminista, não é verdade? Nos empodera muito quando nos diz que não apenas o gênero é uma máscara, como o próprio sexo (o nosso corpo) é uma naturalização construída em cima de normas!!
Um beijo!!